A Ernesta vive com o marido em Mafra e é a sua principal cuidadora desde que este sofreu um enfarte há dois anos. Têm dois filhos, mas vivem ambos no estrangeiro.
Enfermeira de profissão sempre foi muito ativa, mas desde que se reformou passou a ter uma vida mais sedentária e solitária. A sua saúde também se tem vindo a degradar desde então, diminuindo a sua autonomia.
“O estar sempre em casa e mais parada piorou a minha condição física, tenho mais dores e menos mobilidade. Sempre pensei que quando me reformasse conseguiria ir visitar mais vezes os meus filhos e teria mais disponibilidade para passear e fazer a minha jardinagem, que tanto gosto. Mas a minha saúde e, principalmente a do meu marido, não o permite. Ele precisa de mim a tempo inteiro.”
Apesar de não se sentir muito à vontade com novas tecnologias, a Ernesta tem um smartphone que utiliza para ler notícias, procurar novas receitas de culinária e, sobretudo, para falar com os filhos e os netos. “Falo todos os dias com a minha família por vídeochamada e até tenho algumas aplicações, que os meus filhos me instalaram. Tento manter-me a par e não ficar para trás num mundo cada vez mais digital, mas sinto cada vez mais dificuldade e percebo que já não consigo acompanhar, por mais que me esforce.”
Serviços digitais
Ernesta sabe que há um conjunto de serviços digitais que poderiam facilitar o seu quotidiano, evitando deslocações desnecessárias – que tanto lhe custam, quer pelas suas crescentes limitações de mobilidade, quer pela logística de ter que arranjar alguém para tomar conta do marido quando se ausenta –, tais como a aplicação do banco (para gerir os pagamentos do dia-a-dia), a aplicação do hospital (para marcar as consultas e aceder aos relatórios médicos) ou até mesmo os serviços online do supermercado (para receber confortavelmente as compras em casa). Mas Ernesta não se sente capaz. “As imagens e os textos são muito pequenos, engano-me muitas vezes nos botões, não percebo a quantidade de opções diferentes para pagar uma simples conta de supermercado, não consigo entender o vocabulário que usam… É triste, mas já não confio nas minhas capacidades para fazer esse tipo de coisas sozinha.”
“Os meus filhos não percebem e até me quiseram inscrever num curso de literacia digital, mas eu sei que não compensa o esforço de deslocação e tudo o que isso implica, porque a minha cabeça não dá para mais, não são coisas que se consigam aprender com esta idade.”
“Mesmo estando longe e, apesar de terem vidas muito preenchidas, eu sinto que os meus filhos estão sempre preocupados connosco e que, mais cedo ou mais tarde, seremos um peso para eles. Há umas semanas começaram a fazer as compras grandes do mês para nós, online. Eu sei que é para nos ajudarem e que a intenção é a melhor, mas já nem isso eu faço sozinha. Sinto-me cada vez mais incompetente e inútil. Sei que a vida é assim mesmo e tenho perfeita consciência que estou a perder capacidades, mas é muito triste dependermos de outros, mesmo que sejam os nossos filhos. É como se nós próprios deixássemos de existir como sempre fomos.”
Nas Finanças
Recentemente, a Ernesta teve de ir às Finanças apresentar o Atestado Médico de Incapacidade do marido. Antes de se deslocar tentou ligar para a repartição para ter a certeza do horário de funcionamento e para tentar marcar o atendimento, mas nunca conseguiu que atendessem o telefone. “O que parece uma simples ida às Finanças é uma grande dor de cabeça, fico tão ansiosa quando tenho estes compromissos que nem consigo dormir. É preciso arranjar transporte, tenho que pedir a alguém que fique com o meu marido, já para não falar que me custa muito andar, subir escadas… a verdade é que já tenho a minha mobilidade muito comprometida”.
Ao chegar à repartição a Ernesta deparou-se com um dispensador de senhas digital com inúmeras opções. Sem saber qual escolher, tentou selecionar o Atendimento Geral, mas o display não conseguiu reconhecer o toque dos seus dedos frios e secos. Ao perceber que estava a gerar uma fila atrás de si, afastou-se e foi pedir ajuda a um segurança que a levou até ao dispensador de senhas e a ajudou a tirar uma senha prioritária. Passada uma hora e meia chegou a vez da Ernesta, mas quando se dirigiu ao balcão o funcionário disse-lhe que aquele serviço já estava encerrado, só funcionava até ao meio-dia e aconselhou-a da próxima vez a marcar previamente o atendimento através do envio de um formulário disponível no site da Autoridade Tributária, ao qual nem sequer tem acesso.
Chegada a casa, cansada e frustrada, chorou. “É muito triste chegar a esta idade e nem um simples assunto nas Finanças conseguir resolver. Lá terei de pedir ajuda a um dos meus filhos”.
Um olhar mais profundo
Conteúdo externo em inglês
According to Eurostat, in the EU, 87 percent of people aged 75 years and over have never been online (2018).
96% of seniors over the age of 67 own a mobile phone, but under half own a smartphone (2014 numbers).
Seniors often struggle with reduced reactivity, making it harder to keep up with fast-paced technology.
9% of seniors at the age of 75 or over have severe visual impairments, and 18% have severe hearing limitations in the EU (Eurostat, 2017).
People worldwide are living longer. Today most people can expect to live into their sixties and beyond. Every country in the world is experiencing growth in both the size and the proportion of older persons in the population.
The pace of population ageing is much faster than in the past.
All countries face major challenges to ensure that their health and social systems are ready to make the most of this demographic shift.
Between 2015 and 2050, the proportion of the world’s population over 60 years will nearly double from 12% to 22%.
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